quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Formiga




Errático caminhar
de uma formiguinha na bancada do banheiro
Impossíverl qualquer lógica
em seu traçado
algum objetivo
para sua jornada
Despencam qual raios
meus dedos fatais sobre ela
apoiando-se para receber
esmalte nas unhas
Mindinho, polegar, médio
sucessivamente adornados
procurando desviar daquele
diminuto ser
que talvez esteja a me fitar com assombro
Cantarolo algo, contente
alheia à tempestade
que se avoluma lá fora
A formiga pressente

Madrugada


Rajadas de vento
Trovoadas
Violam a madrugada
Canora, dulcíssima
Encurtam a respiração
Lembro do final do mundo
Sentiria saudade dos pássaros!

domingo, 12 de agosto de 2012

Subtrações




Entre um paciente e outro, buscava aquele recorte de horizonte: o céu e um prédio em particular, cujo azul inusitado me lembrava edifícios praianos. Sua alegria destacava-se em meio à vizinhança luxuosa, sóbria, cinzenta e impessoal. Aquela imagem me transportava para ensolarados dias no mar, onde em minha imaginação me banhava e recompunha para mergulhar no oceano do próximo inconsciente.

Certo dia, aquela pérola urbana desapareceu. Um novo prédio roubou-me a paisagem repousante, mas ainda restava um pedaço do céu: o próprio e seu reflexo nas janelas que se amontoavam, no estilo que se desejasse: modernas, neo clássicas, mediterrâneas, verdes, espelhadas.

De repente, buscando aquela nesga de céu, senti-me um canário enjaulado e, arfando, vislumbrei uma estrutura que se erguia a poucos metros de minha vista. Homens-formiga trabalham frenéticos e, rapidamente, percebi o céu encolher ainda mais, até sumir.

Baixando o olhar, agradeçi, então, pela presença das azaléias que coloriam desinibidas o pátio, às quais os pacientes não são indiferentes. Eis que baixa ao som de funk, um enxame de jardineiros-gafanhoto e degolam todas as flores – por ordens da síndica, esclarece o zelador, ante minha indignação.

É...parece que o apocalipse chegou antes da hora.   

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Escova



Escolheram-me dentre tantas outras. Estava enturmada naquele lugar, mas ansiava sair dali, ser útil. Queria mais para minha vida, de modo que me alegrei ao lançar-me no desconhecido carrinho. Poderia finalmente cumprir minha missão! Fui bem acolhida por aquele casal tranqüilo, amoroso e sonhador. Os dois pareciam conectados, felizes com a companhia um do outro. Havia um quê de novidade no ar. Algo fresco, que não sei explicar. Talvez comparável à pasta que me colocaram para facilitar o trabalho.

Naquela noite parti para a ação pela primeira vez. Senti-me tão realizada! Queria experimentar aquela sensação mais vezes! No entanto, os dias foram se acumulando, assim como a poeira em minhas cerdas azuis. Mantinha-me altiva, pronta para colocar os dons a serviço, mas meus préstimos não foram mais requeridos. Acho que ele não estava mais por ali... Pensei: o terei decepcionado? Fiz algo errado?

Via minha amiga cor de rosa pegar no batente 3X ao dia e eu seguia encostada, no período de experiência. Certa vez, a moça fitou-me saudosa e algo triste. Para minha surpresa, ternamente, me pegou para pentear as sobrancelhas. Fiquei feliz quando ela sorriu. Desde então, minha missão tem sido mais leve e estética...terei queimado meu carma?

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Arabian Eyes



Final de tarde, algo cansada estava. Aguardava sem muita vontade o último candidato para entrevistar. Nada da criatura comparecer ou ligar. Ao contrário dos iluminados, pensava na próxima tarefa... Meus olhos baixos apreciando rascunhos de uma poesia improvável. De repente, ele veio em minha direção. Intenso, sombrio, barba de sábio, olhando-me como se quisesse falar. Recebendo o bote, a respiração suspensa, fiquei incrédula com sua audácia invulgar. Quase esbarrando, sem desviar o olhar, passou vigoroso, apenas a tempo de eu perceber que levava na mão uma malha de jovial listrado. Inesperado contraste para aqueles olhos de outra época e lugar, muito distantes dali. A energia daqueles segundos foi possuindo minha essência, embaralhando os pensamentos. Acompanhei seu caminhar, sem vergonha. Tão vital e magnético, neste lugar de zumbis. Quem é você?

domingo, 3 de junho de 2012

Ocupar



Colocando o papo em dia com um amigo chileno, uma palavra se sobressaiu curiosamente na conversação. Ele diz “ocupo” como sinônimo de “uso”. Por exemplo: “no ocupo esta ropa”.

Intrigada com a novidade, pus-me a pensar. Em que medida ocupamos, invadimos do que nos apossamos?  E vice-versa? Como nos ocupamos do que temos/usamos? Lembrei, então, que nas orações, peço para que Deus me use, que tome posse de meu “veículo” para expressar-Se. Assim, ocupar e usar convergem em sentido, também no português. Ocupe-me, Deus! Pode vir! Arrefecido o entusiasmo, reflito: quanto de mim está vazio para que Ele possa ocupar?

Goji Berry


Goji Berry

Mais uma indicação com tom de panacéia, que os meios alternativos não se cansam de descobrir. Frutinha seca, parecida a uva passa, de um vermelho vibrante quase artificial, lembrando o molho dos rolinhos primavera. Sim, tudo a ver com a China, esse vermelho também. Em se tratando de uma indicação da Cíntia, depositária e generosa partilhadora de milenares saberes, acolhi com o usual otimismo sagitariano. Equilibradora das funções hepáticas e renais e rejuvenecedora, a frutinha é conhecida como berry do sorriso ou happy berry.

Os cereais matinais receberam uma companheira vivaz enquanto os dissabores cotidianos se alistavam: gastos imprevistos, falta de pagamento, decepções e frustrações sucedendo-se sem cessar. Percebi, então, que passei a acolhê-los com inédita serenidade e confiança. Um novo estado tomando conta do meu humor algo ciclotímico. Conclui não saber se a nova atitude se deve ao cansaço ou a elevação de fato. Estaria meu Ser observando aquele teatro dizendo “tsk, tsk...que besteira! Isto não tem a menor importância!”, enquanto o ego se desgasta em bravatas tratando de resistir à vida?

Será efeito da frutinha feliz ou um território virgem que exploro? Será a mudança do DNA? Não me reconheço e rio.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Joca


Na noite
Tudo do mesmo...
A alma encurtada
Estupor...
Sono profundo

Vislumbro
Um raio lustroso
A se lançar
Inteiro
Em minha direção
Aninho no colo
Seu coração a explodir

Beijos
Incivilizados
desalinham
a composição...
os cabelos...
a gravidade...

Torvelinho terno
Invade
Sem-vergonha e
Sem fim

Implorar e doar
Mesclam-se
Irrestritamente

Gracioso,
rasga
minha seriedade
qual roupa incômoda e
me convida a dançar

À vida, alegria e confiança.
Volto ao Centro risonha,
Sentindo seu focinho
procurando minha boca

Obrigada por seu amor, cão redentor!

Gashô


A partícula de Deus

Gashô,
meu amado,
...
Agora vem...
Abandone o zazen
ou...
encaixe-me sobre o regaço seu
quando formos Um,
tu e eu
o que os cientistas perseguem,
já teremos encontrado...
Namastê!

Desorden


Revueltas
las alfombras, almohadas
Migas por toda parte!
El pajarito madrugador
cantando en inédito rincón...
De noche, blackout!
El orden está perdido…suspiro!

Has llegado
Huracán
como un niño, un cachorro
entreteniéndose
dondequiera,
con una hormiga, canción o sartén.

Me rio de tus travesuras
del caos creador
Y decreto el fin
del control, de la armonía bella y estéril
Cuando me visitas por acá
Preparandome plato de improviso...
subvertiendo mis arreglos
me nutres con ideas y disfrutes...

Tu desorden
es Vital
Tu despreocupación
puro abandono
Eres delirante oxigeno
trás la hipoxia
de la previsibilidad
Precioso Huracán,
Invitas mi Alma a volar!